Arte conceituando
12-02-2016
ARTE CONCEITUANDO Para
começar, conte-nos rapidamente como/quando você se tornou artista? Você
é italiano, morou na Tailândia e vive no Brasil. Comente um pouco essas
experiências internacionais e nos conte o que te levou ao Brasil?
CESARE PERGOLA
Ainda tenho essa ideia romântica que artista se nasce. Sempre me
envolvi com experiências artísticas. Mas a minha atividade profissional
mesmo começou em Florença, aos 22 anos com um grupo de amigos,
pesquisando sobre performance, instalação, áudio-visual, teatro,
arquitetura.
Até os 45 anos morei em Florença, minha cidade de
adoção, pois nasci em Limosano, pequeno vilarejo entre Roma e Nápoles.
Nunca tinha pensado em expatriar, até que a universidade florentina
onde ensinava arquitetura abriu uma parceria com Bangkok na Tailândia,
foi assim que encontrei-me de repente num pais exótico, era pra ficar
um semestre e fiquei seis anos. Passar de Santa Maria Novella ao templo
budista Wat Dhammamongkol foi obviamente um salto que não passa
inobservado na vida de uma pessoa. O meu pequeno mundo renascentista e
clássico abriu as asas. Quando voltei a Florença, a cidade me parecia
parada demais, meus sonhos e aspirações pediam mais espaço, mais
chances... foi assim que, junto com o meu companheiro Michelangelo com
quem vivia já fazia 18 anos, decidimos de mudar para a terra dele: o
Brasil.
Ficamos 6 anos em Paraty onde abrimos uma galeria de
arte (Belvedere) e fizemos uma intensa atividade de agito cultural,
montamos um festival e prêmio de arte contemporânea, trazemos na cidade
colonial centenas de jovens artistas e grandes nomes da arte brasileira
como Emanoel Araujo, Regina Silveira, Carlos Fajardo, entre tantos.
Desde 2015 mudamos definitivamente para São Paulo e... o futuro a deus
pertencia.
A C: Algumas
fontes dizem que o início da sua carreira coincide com o sequestro do
primeiro ministro italiano Aldo Moro. Você poderia comentar esse fato
curioso?
Essa coincidência é curiosa, mas também
esclarecedor, pois a minha dedicação profissional à arte foi também uma
consequência desses anos '70 que na Itália são lembrados como 'anos de
chumbo', pela grande violência da contestação politica. Eu era
estudante na faculdade de Arquitetura de Florença, que foi uma das mais
revolucionaria, participava do movimento estudantil, ocupações, etc...
mas chegou um momento que alguns meus colegas começaram a sair de P38,
uma pistola de moda naquele dias, e eu sempre fui repelente a qualquer
manifestação de violência. Foi lá que decidi de canalizar a minha raiva
juvenil e revolucionaria numa pratica artística em vez que política. E
foi exatamente o 16 de março de 1978 que o nosso grupo de pesquisa (Il
Marchingegno) foi convidado para apresentar uma performance numa igreja
desconsagrada de Florença, estava tudo pronto, mas na manhã daquele dia
Aldo Moro foi sequestrado pelas Brigadas Vermelhas em Roma. Podem
imaginar como estava a Itália naquela noite... fechada por terror! Mas
nos fomos mesmo assim e apresentamos, numa igreja cinza e gelada, a
nossa performance na frente de poucos hesitantes espectadores.
A C: O
design e a arquitetura são influências fortes do seu trabalho. Qual a
relação entre design e arte / arquitetura e arte, na sua opinião?
Eu
sou formado em arquitetura e por mais de vinte anos ensinei essa
disciplina em várias universidades, por isso o “projeto” é fortemente
enraizado na minha pratica artística. Também me formei e vivi numa
cidade que foi o berço do Renascimento, então por mim o limite entre
arquitetura e arte é muito lábil, quase inexistente. A abordagem
arquitetônica na pratica artística é caraterizada, pelo meu ponto de
vista, primeiro pela consistência do aspecto “progettuale” (nada de
improvisação, tudo pensado, refinado, medido) e segundo pela atenção ao
espaço físico (seja na representação, seja na interação espacial
tridimensional). Esse espaço, frio e calculado, se anima e vibra de
vida quando entra em contato com o “corpo” que o percebe.
A C: Você
trabalha com suportes extremamente variados, como pintura, fotografia,
projeções multimídias, performances, etc. Como se dá esse percurso de
criação? Você poderia comentar especificamente a presença da
performance e da tecnologia em sua obra?
Outra herança da
minha formação florentina, a ideia do artista como um todo. A
tecnologia é um “material” como a tinta a óleo e o lápis, então ela
ajuda na formulação do resultado visual. A performance é a injeção de
vida no espaço (através da ação). O meu trabalho é fundamentalmente
experimental, eu não tenho uma técnica predefinida para representar um
pensamento concluído ou valores reconhecidos, eu procuro uma
experiência inédita para transmitir, então qualquer suporte pode ser
útil. Eu já trabalhei com quase todos os suportes visuais, mas também
com escritura, dança, com teatro, com música (dois álbum de minha
musica experimental eletrônica foram publicados nos anos '80 e até hoje
estou escrevendo partituras aleatórias). Acho que os dois opostos
dialéticos do meu percurso criativo são o espaço e o corpo, a definição
e a interação dos dois geram imagens que eu defino de “arquitetura
sensorial”. Imagens que englobam todas as componentes visuais, mas
também sonoras, olfativas e a quarta dimensão, o tempo.
A C: Você ainda leciona? Qual a influência da sua experiência como professor na sua vida?
Infelizmente
não leciono mais, sinto muito a falta dos jovens alunos ao meu redor,
eles me deixavam muito vivo. A experiência como professor foi
fundamental na minha vida cultural (aprendizado continuo) e na minha
vida pratica (essa profissão me levou à Tailândia) e me deu também
muitas satisfações. Eu comecei a lecionar desde o período da minha
faculdade, tive por dois anos a cadeira que já foi de Umberto Eco, na
Universidade de Florença e acabei a minha carreira no Chanapatana
International Design Institute de Bangkok. Mas hoje seria muito difícil
pra mim conciliar a minha pratica artística com o ensinamento. Outra
coisa aqui no Brasil, a figura do professor é “sacrificada” a uma
ideologia de "libertarismo" que eu não partilho em pleno, a autoridade
do professor é confundida com autoritarismo e isso da tudo errado.
A C: Que
aspectos políticos estão presentes no seu trabalho performático em
conjunto com a cantora Francesca Della Monica, "Sonata por bala
perdida", que abriu a exposição "Geometria da Sedução", no Centro
Cultural São Paulo?
O confronto com a violência foi o
impacto mais chocante aqui no Brasil (nunca tinha visto um morto
assassinado nos meus primeiro 55 anos de vida!!!). A gente vive
circundado de violência e de sistemas para ameniza-la (guardas,
recintos, muros, cerca elétricas, alarmes, etc.). Então um dia viu
algumas fotos de tiroteio e pensei que podiam virar notas musicais.
Escrevi a partitura aleatória por voz e piano “Sonata por bala
perdida”, quase como um exorcismo contra toda essa violência, dos
bandidos sem piedade e da repressão policial as vezes sem noção. Claro
que é um grito contra tudo isso, como se a arte pudesse acalmar a raiva
que cada um carrega consigo.
A C: O
seu trabalho "Esculpindo um negro David" traz um tema presente na
história e sociologia brasileiras. Como você, um estrangeiro, enxerga
essa questão?
Quando veio para cá não tinha noção da
presença e da quantidade de negros na sociedade brasileira. Sim, sempre
a gente vê o brasileiro como mulato, mas esquece essa raiz africana tão
forte. Um dos orgulhos maiores da sociedade brasileira é a
reivindicação da “diversidade” de raças e culturas, a mistura dessas,
mas na realidade o afrodescendente ficou num certo sentido isolado,
reconhecível e estigmatizado com preconceitos antigos. A herança da
escravidão é muito presente e isso me deixou muito surpreso e também
incomodado como branco, porque me sentia as vezes responsabilizado por
algo que era pra mim longe anos luz. Só pra lembrar eu encontrei pela
primeira vez um negro na minha vida aos 15 anos, pois na minha região
nos anos '60 não existiam afrodescendentes. Assim esse confronto com o
“negro” foi uma espécie de jogo de opostos, um símbolo da minha cultura
clássica (o David de Michelangelo) num corpo negro, mas também uma
declaração de igualdade. Tanto é que além do David negro, fiz também
uma Black Marilyn, para uma exposição coletiva no Museu Afro-Brasil de
São Paulo em 2012.
A C: Você acredita que o artista tem uma função na sociedade? Qual?
Eu
sempre repito que a ética da arte está na estética e não na politica. A
função da arte é representar o processo de evolução cultural da espécie
humana, dar sinal de vitalidade dessa evolução, sempre bem conectado
com a história da arte e com que está acontecendo hoje. Não gosto muito
dos “artistas políticos”, daqueles que fazem de ideologias politicas a
própria poética. Se uma pessoa quer fazer um “trabalho social” não
produz arte, vai fazer voluntariado nas comunidades carentes. O artista
(seja o mais polêmico como Ai Weiwei ou Banski) ao final acaba engolido
no mercado e vende a sua obra ao capitalista que tanto criticava.
Qualquer
produto cultural tem uma função política na sociedade, mas no caso do
produto artístico a qualidade estética é sempre mais importante do
conteúdo. Por isso tem artistas que foram péssimos politicamente
falando (tipo os Futuristas italianos que eram quase todos fascistas e
intervencionistas), mas grandes no próprio pensamento artístico. Ou os
Construtivistas russos que ficam na historia da arte não por simpatizar
pela revolução bolchevista, mas pelas qualidade estética das próprias
obras.
A C: Como
você vê o Brasil de hoje? Em termos culturais a quantas anda o país? Se
quiser, faça uma comparação entre o momento atual e o da sua chegada ao
país, em 2009.
O Brasil está atravessando uma crise
econômica e politica grave. O partido de governo, que é um partido de
esquerda, está-se revelando sempre mais envolvido com um esquema de
corrupção do que sempre foi acusado o governo de direita. Isso provoca
uma situação paradoxal: o povo que protesta contra o governo é acusado
de reacionário e o povo de esquerda e progressista (que é o que
geralmente protesta) defende o status quo.
Neste ultimo 5 ou 6
anos no mundo das artes o Brasil está ganhando território em termos
internacionais, São Paulo está crescendo na cena mundial da arte
contemporânea, mas as instituições publicas fazem muito pouco para
incentivar o crescimento da produção artística nacional e para divulgar
internacionalmente a arte contemporânea brasileira. Como tudo no
Brasil, as diretrizes vão e vem, não tem uma sequencia linear, uma
projeção previsível, tudo muda continuamente, sobe e desce, isto é a
situação de uma nação que a meu ponto de vista está numa fase
“adolescente”. Mas isto é o charme que me liga a essa terra rica e
imprevisível. O Brasil é o pais do futuro e o futuro (graças a deus)
ainda não chegou!
--
Arte Conceituando, um projeto de Laura Ammann e João G. Rizek.
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Cesare Pergola | Artista
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