Uma Arquitetura Sensorial
por Denise Mattar
Cesare Pergola constrói sua poética articulando, de forma incomum, dois pontos de partida quase opostos: a ordem, entendida como estruturação construtiva, e a sensualidade, que ele vê em tudo: no olhar, cheiro, gosto, tato e som. O artista faz uma Arquitetura Sensorial, termo que ele mesmo criou, referindo-se a suas atividades dos anos 1970-80: um misto de teatro, site specific e alta tecnologia. Desde então, ele transita com facilidade de um suporte a outro: da performance ao teatro, da fotografia à pintura, da argila à tecnologia.
O percurso do artista, por ter sido realizado fora do Brasil, é pouco conhecido para nós, mas essencial para a compreensão de sua obra. A partir de 1978, com o grupo Il Marchingegno, nome que poderia ser traduzido como “A Engenhoca”, desenvolveu atividades experimentais que hoje seriam chamadas de imersivas e multimídia. O espaço era o protagonista desses espetáculos, que se realizavam sem nenhuma presença humana em cena, propondo uma composição de impulsos sensoriais. A seguir, com o grupo Orient Express, criado em 1982, Cesare trouxe de volta o ator e a palavra, mas imersos num mundo mítico e ritualístico.
Nos anos 1990, o artista dedicou-se mais ao Design, mas, paralelamente, organizava eventos numa casa noturna que se tornou um espaço de experi-mentação artística. Desse período é Vestido florido, performance sensual e irônica que questiona a rápida obsolescência da moda e da vida.
Em 2000, num inovador projeto urbanístico, organizou um mapeamento sensorial da cidade de Campi Bisenzio. As áreas, definidas por suas cores e perfumes, tornaram-se a estrutura usada para a criação do novo Plano Diretor da cidade.
A volta de Cesare às artes plásticas chegou, junto com o novo século, mediada pelo computador, mas sem deixar de lado o sensorial. A série de obras digitais La Città dei Sensi [A cidade dos sentidos] propunha uma ambiência futurista, arquitetural e quase operística, criada a partir de uma mesma imagem repetida serialmente. Assim, uma boca, um olho e uma mão geravam as cidades do sorriso, da visão e do toque.
Os anos 2000 trouxeram uma mudança radical e, na passagem de Florença para a Tailândia, o corpo e a sensualidade ganharam tal presença que devoraram a estrutura. Desse período, Monges no templo é um ensaio fotográfico poético e quase doce, enquanto Lutadores do mundo faz uma apologia ao corpo, sem retoques. Essa série teria sequência em seguida, num trabalho em pintura feito com toques rápidos e nervosos, faiscando cores, e que registrava, agora, o ritmo, a disputa e a nervosidade da luta.
O abandono da estrutura foi apenas temporário, e o artista, já morando no Brasil, retoma sua dicotomia, e seus múltiplos suportes. A partir de uma matriz digital, cria pinturas quase metafísicas, na série Matemática da paisagem. Faz a performance Esculpindo um negro David, retirando, da argila, a escultura que, segundo Michelangelo, já estava lá. Em A medida do corpo, exacerba o encontro de sensualidade e estrutura, incorporando uma malha de luz ortogonal, mas misteriosamente encantatória. Em Fantasma rupestre, Cesare usa luz e tecnologia para reviver medos ancestrais. Sobre montanhas, suas projeções despertam um imaginário primitivo, assustam e fascinam, em sua gran-diosidade e beleza efêmeras; cortam horizontalmente o tempo e o espaço, do arcaico ao contemporâneo.
Citando o texto do próprio artista, apresentado no interessante e premo-nitório livro Arquiteturas do desejo, de 1991, Cesare Pergola compõe, em toda a sua obra, “um hipotético, e utópico, espaço de ação – uma Arquitetura Sensorial”.
Maio de 2015
Denise Mattar é uma curadora e crítica de arte
brasileira. Foi coordenadora do Museu da Casa
Brasileira (1985-1987), diretora técnica do
Museu de Arte Moderna de São Paulo (1987-
1989) e coordenadora de artes plásticas do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
(1990-1997). Passou a atuar como curadora
independente a partir de 1997, realizando
importantes exposições de artistas
modernistas como Di Cavalcanti, Flávio de
Carvalhoe Ismael Nery, de artistas
contemporâneos, como Emmanoel Nassar e
Hildebrando de Castro, e coletivas como “O
Preço da Sedução”, “Homo Ludens” e “Duplo
Olhar”, entre outras. Recebeu vários prêmios
da APCA e da ABCA. É docente da Universidade
Cândido Mendes.
Un'architettura sensoriale (italiano)
por Denise Mattar
Cesare Pergola costruisce la sua poetica articolando, di forma non comune, due punti di partenza quasi opposti: l'ordine, inteso come strutturazione costruttiva, e la sensualità, che lui vede dappertutto: nella visione, profumo, gusto, tatto e suono. L'artista fa una Architettura Sensoriale, termine da lui stesso creato, riferendosi alle sue attività degli anni '70-'80: un misto di teatro, site-specific e alta tecnologia. Da allora, si muove con facilità da un supporto all'altro: dalla performance al teatro, dalla fotografia alla pittura, dall'argilla alla tecnologia.
Il percorso dell'artista, essendo stato realizzato fuori dal Brasile, è a noi poco conosciuto, ma essenziale per la comprensione della sua opera. A partire dal 1978, con il gruppo Il Marchingegno, nome che si potrebbe tradurre come A Engenhoca, ha sviluppato attività sperimentali che oggi sarebbero chiamate di immersive e multimedia. Lo spazio era il protagonista di quegli spettacoli, che si realizzavano senza nessuna presenza umana in scena, proponendo una composizione di impulsi sensoriali. In seguito, con il gruppo Orient Express, creato nel 1982, Cesare ha recuperato l'attore e la parola, ma immersi in un mondo mitico e ritualistico.
Negli anni '90 l'artista si è dedicato di più al Design, ma parallelamente organizzava eventi in un disco club che si trasformò in uno spazio di sperimentazione artistica. Di questo periodo è Vestito Fiorito, performance sensuale e ironica che questiona la rapida obsolescenza della moda e della vita. Nel 2000, in un innovativo progetto urbanistico, organizzò una mappatura sensoriale della città di Campi Bisenzio. Le aree, definite secondo i propri colori e profumi, divennero la struttura usata per la definizione del nuovo Piano Regolatore della città.
Il ritorno di Cesare alle arti plastiche è arrivato, insieme al nuovo secolo, mediato attraverso il computer, ma senza abbandonare il sensoriale. La serie di opere digitali La Città dei Sensi propone una atmosfera futurista, architettonica e quasi operistica, creata a partire di una stessa immagine ripetuta serialmente. Così una bocca, un occhio e una mano generavano le città del sorriso, della visione e del tatto.
Gli anni 2000 portarono un cambiamento radicale, e nel passaggio da Firenze alla Tailandia, il corpo e la sensualità guadagnarono una presenza tale che divorarono la struttura. Di questo periodo Monaci al Tempio è una sessione fotografica poetica e quasi dolce, in quanto Lutadores do Mundo fa un'apologia al corpo, senza ritocchi. Questa serie risulterebbe in seguito, in una opera pittorica fatta con tocchi rapidi e nervosi, scintillando colori, e che ora registrava il ritmo, la disputa e il nervosismo della lotta.
L'abbandono della struttura era solo temporario, e l'artista, già vivendo in Brasile, riprende la sua dicotomia, e suoi molteplici supporti. Partendo da una matrice digitale crea pitture quasi metafisiche, nella serie Matematica del Paesaggio. Realizza la performace Scolpendo un Davide nero, ritirando dalla creta la scultura che secondo Michelangelo era già lì. In La Misura del Corpo esaspera l'incontro di sensualità e struttura incorporando una maglia di luce ortogonale, ma misteriosamente ammaliatrice. In Fantasma Rupestre, Cesare usa luce e tecnologia per rivivere paure ancestrali. Sulle montagne le sue proiezioni risvegliano un immaginario primitivo, spaventano e affascinano, nella loro grandiosità e bellezza effimera; tagliano orizzontalmente il tempo e lo spazio dall'arcaico al contemporaneo.
Citando il testo del proprio artista, presentato nell'interessante e premonitore libro Architetture del Desiderio del 1991, Cesare Pergola compone, in tutta la sua opera, “un ipotetico, e utopico, spazio d'azione – una Architettura Sensoriale”.
Maggio, 2015
A Sensory Architecture (english)
por Denise Mattar
Cesare Pergola builds his poetics articulating, in an unusual way, two virtually opposite starting points: order, understood as constructive structure, and sensuality, that he sees everywhere: in the gaze, smell, taste, touch, and sound. Pergola makes a Sensory Architecture, a term coined by the artist himself, referring to his activities during the 1970s and ’80s: a mix of theater, site specific, and high technology. From then on, he has been moving smoothly from one support to the other: from theater to performance, from photography to painting, from clay to technology.
The artist’s trajectory is little known among us, as it took place outside Brazil, but it is essential to understand his work. From 1978 onwards, with the group Il Marchingegno, a name that could be translated somewhat as “The Gadget,” he has developed experimental activities that would now be called immersive and multimedia. The space was the protagonist of those shows, which were staged without any human presence on the scene, proposing a composition of sensory impulses. Then, with the group Orient Express, created in 1982, Pergola brought back the actor and the word but this time immersed in a mythic and ritualistic world.
In the 1990s, the artist devoted himself mostly to design, but at the same time organizing events at a nightclub that became an artistic experimentation venue. Flowered Dress dates from this period, a sensual and ironic performance questioning the rapid obsolescence of fashion and life. In 2000, in an innovative urban project, Pergola organized the sensory mapping of the city of Campi Bisenzio. The areas, defined by their colors and perfumes, became the structure used to create the new Master Plan of the city.
The computer-mediated return of Pergola to the visual arts came together with the new century, but without leaving aside the sensory. The series of digital works La Città dei Sensi [The City of Senses] proposed a futurist, architectural, and almost operatic ambiance, created from one and the same image repeated serially. Thus, mouth, eye, and hand generated the cities of smile, sight, and touch.
The 2000s brought a radical change and, on the shifting from Florence to Thailand, the body and sensuality gained such presence that they devoured the structure. Dating from that period, Monks in the Temple is a poetic and almost sweet photo essay while World Fighters is an unretouched apology to the body. This series would then lead to a painting work made with quick, nervous touches, flashing colors, now recording the rhythm, the dispute, and the nervousness of the fight.
The abandonment of the structure was just temporary, and the artist, already living in Brazil, resumes his dichotomy and his multiple supports. From a digital matrix, Pergola creates quasi-metaphysical paintings in the series Mathematics of Landscape. He stages the performance Carving a Black David, removing from the clay, the sculpture that, according to Michelangelo, was already there. In The Measure of Body, he intensifies the encounter between sensuality and structure, incorporating a mesh of orthogonal light, which is mysteriously enchanting. In Rupestrian Ghost, the artist uses light and technology to revive ancestral fears. His projections on the mountains evoke a primitive imagery, they frighten and fascinate in their ephemeral grandeur and beauty; they cut time and space horizontally, from the archaic to contemporary.
Quoting the artist himself, in an excerpt from a text presented in the fascinating and prescient book Architectures of Desire, from 1991, Cesare Pergola composes, in his whole work, “a hypothetical, and utopian, action space—a Sensory Architecture.”
May 2015
Cesare Pergola | Artista
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