Escritos\Scritti\Writings

Vulto fora de quadro

por Paula Alzugaray


Diretrizes conceituais determinantes da trajetória de Cesare Pergola estão desenhadas em Cubo, uma das primeiras performances realizadas pelo grupo de teatro experimental Il Marchingegno, integrado pelo artista, em 1979.
Nesta peça, da qual restam apenas registros fotográficos, as ações tran-scorrem através e ao redor de quadros luminosos, distribuídos pelo pátio do Castello dell’Imperatore, em Prato, na Itália. O que diriam ou o que fariam os dois personagens sentados à mesa disposta em um dos quadros, não podemos saber. O que as fotografias nos dão a conhecer é uma escritura/narrativa visual, em que alguns dos princípios determinantes da arte italiana e da herança artística ocidental são revisados a partir do uso de ferramentas e estratégias da performance.
Formada por estudantes da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Florença, a companhia Il Marchingegno expõe, no pátio do castelo, os anseios multi-midiáticos, as inquietações pela disso-lução de fronteiras artísticas e o impulso de expansão para territórios não insti-tucionais que marcaram sua geração. Fugindo do espaço convencional do teatro ou do cubo branco, escolhe o edifício medieval como palco e área de inter-venção, a ser redesenhado com eventos e linhas de luz.
Em diálogo com esse espaço da memória, as geometrias arquitetadas por Cesare Pergola, Giancarlo Cauteruccio e Tomaso Tommasi tornam-se alegorias da janela – ou da pintura – renascentista. Observados à luz do tratado de Leon Baptista Alberti, os tubos fluorescentes de Cubo oferecem-se como janelas, através das quais se entreveem fragmentos do mundo: uma motocicleta, uma mesa circundada por duas pessoas que parecem conversar.
No entanto, esses fragmentos não estão atrás das janelas, nem meramente emoldurados por elas – como determinam as leis da perspectiva –, a fim de criar a ilusão de tridimensionalidade. Eles são a realidade. Atravessam as molduras, transbordam para fora do quadro, afirmando os princípios que ganhavam vigor naqueles anos 1970: a performance como arte da realidade. É a partir dessa base conceitual – e da graduação com uma tese sobre Arquitetura Sensorial – que Pergola viria a desenvolver, nas décadas seguintes, uma série de trabalhos voltados para as relações entre corpo, paisagem e arquitetura.
Alguns fundamentos técnicos da arte renascentista – a conversão do espaço em entidade mensurável e o posicionamento do homem como referencial e medida das coisas do mundo – voltariam ao foco, em séries como Matemática da paisagem e Medida do corpo.
Mas é na performance Fuori Quadro (1979), realizada ainda no contexto da Faculdade de Arquitetura, na Itália, em que quadrados luminosos são atropelados e desmantelados por um carro em movimento, que o artista elabora e sintetiza seu teatro do real. O mesmo impulso de rompimento do quadro e da ilusão de realidade revela-se ainda na instalação performática Infinito (1980), realizada em um centro teatral de Florença, em que palco e plateia invertem posições, e o acontecimento se faz em torno das palavras Céu, Oceano e Deserto.
Os quadros rompidos nas performances italianas reaparecem agora recon-figurados na série fotográfica Fantasma rupestre (2014), que documenta um cubo, um globo, um diagrama e várias figurações, projetados sobre as pedras e as matas dos arredores de Paraty, onde o artista vive atualmente.
Entre o teatro a céu aberto no Castello dell’Imperatore e a fantasmagoria na paisagem natural noturna de Paraty, há um atalho. No Castello, os fragmentos do mundo assumiam contornos enigmáticos, talvez até metafísicos, na medida em que ganhavam certa aura de suspensão, entre os claros e escuros da iluminação artificial. Na Mata Atlântica, os acontecimentos são efetivamente transmutados em luz e vulto. Especialmente quando os eventos deixam de ser desenhos abstratos ou figurativos, para se tornarem palavras, nas imagens da série Eventos atmosféricos (1980-2014).
Lançadas sobre a paisagem, as palavras Trovão, Tempestade e Furacão são vultos de fenômenos naturais e de instintos libertários, cuja potência é captada pela câmera e novamente delimitada pelo quadro, já que a fotografia é, aqui, seu formato final.
Abril de 2015

Paula Alzugaray é curadora independente, crítica de arte, editora e jornalista especializada em artes visuais. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da USP. É diretora de redação da revista cultural seLecT e editora da seção quinzenal de artes visuais da revista IstoÉ. É autora do livro "Regina Vater: Quatro Ecologias" (Oi Futuro/Fase 3, 2013). Entre seus projetos curatoriais recentes, incluem-se as exposições “A Invenção da Praia”, Paço das Artes (Abr-Jun 2014) e “Circuitos Cruzados – Centre Pompidou Encontra o MAM”, no MAM SP (Jan-Mar 2013).

Ombra fuori quadro (italiano)
di Paula Alzugaray

Direttrici concettuali determinanti della traiettoria di Cesare Pergola sono disegnate in Cubo, una delle prime performance realizzate dal gruppo di teatro sperimentale Il Marchingegno, integrato dall'artista nel 1979.
In questa opera, di cui restano solo registri fotografici, le azioni trascorrono attraverso e intorno a quadri luminosi, distribuiti nel cortile del Castello dell'Imperatore, a Prato, in Italia. Che cosa direbbero o farebbero i due personaggi seduti al tavolo disposto in uno dei quadri, non lo possiamo sapere. Quello che le fotografie ci permettono di conoscere è una scrittura/narrativa visuale, in cui alcuni dei principi determinanti dell'arte italiana e della eredità artistica occidentale sono esaminati partendo dall'uso di strumenti e strategie della performance.
Formata da studenti della Facoltà di Architettura della Università di Firenze, la compagnia Il Marchingegno espone, nel cortile del castello, i desideri multimediali, i turbamenti per la dissoluzione delle frontiere artistiche e l'impulso di espansione verso territori non istituzionali che segnarono la sua generazione. Fuggendo dallo spazio convenzionale del teatro o del cubo bianco, viene scelto l'edificio medievale come palco e area dell'intervento, per essere ridisegnato con eventi e linee di luce.
In dialogo con questo spazio della memoria, le geometrie architettate da Cesare Pergola, Giancarlo Cauteruccio e Tomaso Tommasi si tornano allegorie della finestra – o della pittura – rinascimentale. Osservati alla luce del trattato di Leon Battista Alberti, i tubi al neon di Cubo si offrono come finestre, attraverso le quali si intravedono frammenti di mondo: una motocicletta, un tavolo con due persone che sembrano conversare.
Intanto, questi frammenti non stanno dietro, o semplicemente incorniciati dalle finestre -come determinano le leggi della prospettiva-, al fine di creare l'illusione della tridimensionalità. Loro sono la realtà. Oltrepassano le cornici, trasbordano fuori dal quadro, confermando i principi che guadagnavano forza in quegli anni '70: la performance come arte della realtà.
È a partire da questa base concettuale -e dalla laurea con una tesi sull'Architettura Sensoriale- che Pergola viene sviluppando nei decenni successivi una serie di lavori orientati verso le relazioni tra corpo, paesaggio e architettura.
Alcuni fondamenti tecnici dell'arte rinascimentale -la trasformazione dello spazio in entità misurabile e il posi-zionamento dell'uomo come referenzia e misura delle cose del mondo- torneranno a fuoco, in serie come Matematica del Paesaggio e Misura del Corpo.
Ma è nella performance Fuori Quadro (1979), realizzata ancora nel contesto della facoltà di architettura, in Italia, dove quadrati luminosi sono investiti e smantellati da un carro in movimento, che l'artista elabora e sintetizza il suo teatro del reale. Lo stesso impulso del rompimento del quadro e della illusione di realtà si rivela anche nella installazione performativa Infinito (1980), realizzata in un centro teatrale di Firenze, in cui palco e platea invertono la propria posizione e l'evento si svolge intorno alle parole Cielo, Oceano e Deserto.
I quadri rotti nelle performance italiane riappaiono ora riconfigurati nella serie fotografica Fantasma Rupestre (2014), che documenta un cubo, un globo, un diagramma e varie figurazioni, proiettati sulle rocce e foreste dei dintorni di Paraty, dove l'artista vive attualmente.
Tra il teatro a cielo aperto nel Castello dell'Imperatore e la fantasmagoria nel paesaggio naturale notturno di Paraty c'è un collegamento. Nel Castello, i frammenti di mondo assumevano contorni enigmatici, forse anche metafisici, nella misura in cui guadagnavano una certa aura di sospensione, tra il chiaro scuro della illuminazione artificiale. Nella Foresta Atlantica, gli avvenimenti sono effettivamente trasmutati in luce e figure/fantasma. Specialmente quando gli eventi non sono più disegni astratti o figurativi ma si trasformano in parole, nelle immagini della serie Eventi atmosferici (1980-2014).
Proiettate sopra il paesaggio, le parole Tuono, Tempesta e Uragano sono figure di fenomeni naturali e di istinti libertari, la cui potenza è captata dalla macchina fotografica e nuovamente delimitata dal quadro, già che qui è la fotografia il suo formato finale.
Aprile, 2015

Shade out of frame (english)
by Paula Alzugaray

Determinant conceptual guidelines of Cesare Pergola’s trajectory are designed in Cubo, one of the first performances staged by the experimental theater group Il Marchingegno, of which the artist was a member, in 1979.
In this play, of which there are only photographic records, the actions take place through and around illuminated signs, spread all over the courtyard of the Castello dell’Imperatore, in Prato, Italy. There is no way to know what the two characters sitting at the table arranged in one of the frames are saying or doing. What the photos do let us see is a visual writing/narrative, in which some of the determining principles of Italian art and Western artistic heritage are reviewed from the use of tools and strategies from performance.
Comprised of students from the School of Architecture, University of Florence, Il Marchingegno company exposes, in the castle courtyard, the multimedia concerns, the restlessness regarding the dissolution of artistic boundaries, and the expansion boost towards noninstitutional territories that marked their generation. Escaping the conventional space of the theater or the white cube, they choose the medieval building as a stage and intervention area to be redesigned with events and beam lines.
In dialog with this memory space, the geometries architected by Cesare Pergola, Giancarlo Cauteruccio, and Tomaso Tommasi become allegories of the Renaissance window—or painting. Observed in the light of the Treaty by Leon Batista Alberti, the fluorescent tubes of Cubo offer themselves as windows through which to perceive fragments of the world: a motorcycle, a table circled by two people who seem to talk.
However, these fragments are not behind the windows, not even framed by them—as is required by the laws of perspective—in order to create the illusion of three-dimensionality. They are the reality. They go over the frames, overflowing out of the picture, stating the principles that gained momentum in the 1970s: performance as the art of reality.
It is from this conceptual base—and from his graduation with a thesis on Sensory Architecture—that Pergola would develop, over the following decades, a series of works focused on the relationship between body, landscape, and architecture. Some technical fundamentals of Renaissance art—the conversion of space into a measurable entity and Man’s positioning as a reference and measure of all things in the world—would return to the spotlight in series like Matemática da Paisagem and Medida do corpo.
But it is in the performance Fuori Quadro (1979), staged still in the School of Architecture context, in Italy, in which luminous squares get hit and dismantled by a moving car, that the artist elaborates and summarizes his theater of the real. The same spur to break the framework and the illusion of reality is also present in the performative installation Infinito (1980), performed at a theatrical center in Florence, where stage and audience reverse positions, and the event revolves around the words Sky, Ocean, and Desert.
The broken frames in the Italian perfor-mances reappear now reconfigured in the photographic series Fantasma rupestre (2014), which documents a cube, a globe, a diagram, and various figurations, projected onto the rocks and the forests on the outskirts of Paraty, where the artist lives currently.
Between the open-air theater at the Castello dell’Imperatore and the phantasmagoria in the natural evening landscape of Paraty, there is a shortcut. At the Castello, fragments of the world take on cryptic contours, perhaps even metaphysical, insofar as they earned a certain suspension aura between the bright and dark artificial lighting. In the Atlantic Forest, the events are effectively transmuted into light and shape. Especially when the events are no longer abstract or figurative drawings and become words, as in the images of the series Atmospheric Events (1980–2014).
Released over the landscape, the words thunder, storm, and hurricane are shadows of natural phenomena and libertarian instincts, whose power is captured by the camera and again bounded by the frame, since photography is their final form here.
April 2015

Cesare Pergola | Artista interdisciplinare
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